Então você quer (realmente) medir o quão sustentável é seu negócio?

Quando jovem, eu cogitava trabalhar como piloto de aeronaves.  No interior do Brasil, fazer um curso para piloto era algo complexo. Um tio pertencia ao aeroclube local e assim eu conseguia acessar as aeronaves no hangar.  Lembro que aquele enorme painel cheio de instrumentos era algo fantástico.  Conhecer todas as variáveis do voo, gerenciar múltiplas informações ao mesmo tempo.  A vida me encaminhou para a engenharia e apenas consegui fazer horas de voo em instrução.

Lembro que na primeira aula o instrutor falou uma coisa:  você tem que garantir duas coisas: velocidade e altitude adequadas, o resto é complemento.  Voava observando referências externas e o velocímetro.  Se a velocidade aumentava sabia que estava perdendo altitude e se por outro lado, a velocidade caia, geralmente estava subindo. Os outros instrumentos eram todos correlacionados entre si.  Reduzia a velocidade, podia checar o altímetro que estava ganhando altura.  Era uma forma muito simples de focar atenção naquilo que era importante no momento e deixar o resto das informações para quando estivesse com maior proficiência no voo. Aqui aprendi muito sobre correlações de dados e relações de causa e efeito.

Em meados do século passado, Deming falou algo que é fundamental na gestão de qualquer tipo de negócio.  Imagino que esta máxima deva ser reprisada milhares de vezes todos os dias em cadeiras de cursos de administração, em empresas e negócios no mundo todo.

“Não se gerencia o que não se mede,
não se mede o que não se define,
não se define o que não se entende,
e não há sucesso no que não se gerencia”

Só atribuímos métricas para aquilo que realmente faz sentido gerenciar, para o que precisamos melhorar e mudar. Pelo menos este deveria ser o senso comum da gestão.  A redução do custo do armazenamento de dados, a facilidade do acesso a ferramentas de análise, de aplicativos de gestão, permitem gerar um número gigante de indicadores, métricas, gráficos, planilhas de toda a sorte.

Temos painéis (os dashboards) com inúmeros reloginhos, ponteirinhos, faróis vermelhos, verdes, amarelos e púrpura.

Conheço muitos sistemas de gestão de sustentabilidade bem estruturados, com indicadores de consumo de água, do uso de energia vinda de fontes não renováveis, do consumo de copinhos plásticos, da quantidade de carbono emitido por funcionário em viagens por ano.  São tantos faróis, alguns estão verdes outros não…

Mas quais são os indicadores que realmente importam olhar?  Qual o nosso velocímetro, para mantermos a nossa aeronave em voo?

Quando tratamos do tema sustentabilidade, muitos entendem como algo paralelo à gestão da empresa, como uma área de monitoramento, um complemento, um apêndice que existe para manter os programas e relatar a performance sócio ambiental em questionários de clientes ou em índices de mercado como o ISE ou DJSI.

É aí que reside o perigo de seguir exclusivamente estes índices.  Anualmente as empresas fazem uma análise crítica sobre como elas estão posicionadas nas questões levantadas por estes índices, e traçam planos de ação para capturar os desvios encontrados. Mas será que todas as questões fazem sentido para medir o quão sustentável é uma empresa?

Particularmente entendo que não dá para utilizar a mesma chave para todos os parafusos.  Mas por outro lado temos que entender que é virtualmente impossível fazer questionários individuais e comparar inúmeros tipos de negócios. Então estes índices conseguem dar uma orientação de sustentabilidade comparativa, mas não podem ser utilizados como ferramentas para medir nível de performance sócio ambiental de um negócio.

Então, como dar uma direção mais coerente para a construção de uma métrica de sustentabilidade, que pode ser aplicada ao meu negócio?

Inicialmente, temos que entender que qualquer negócio possui a geração das chamadas externalidades, que são de modo bem simplista, impactos que ocorrem fora do eixo direto de ação do negócio.  Um exemplo, pode ser a aquisição de um determinado insumo de um fornecedor que não dispõe de um nível de proteção adequada para seus funcionários e estes acabam contraindo doenças ocupacionais que são tratadas no sistema público de saúde e cujos custos não estão acrescidos no valor de venda do produto final.  Muitas externalidades são suportadas pela resiliência de nosso planeta, outras estão sendo acumuladas e podem gerar impactos futuros como por exemplo a emissão de gases de efeito estufa.

Diferente do ultrapassado conceito do “triple bottom line” os negócios devem ser capazes de gerar riquezas e colocar as pessoas acima da fundação social (em remuneração, saúde, moradia, educação…) e não ultrapassar os limites de suporte ecológico de nosso planeta (no uso de recursos, na emissão de poluentes, na erosão de terras…).

Para cada um dos limites é importante definir os temas tratados e efetuar uma profunda avaliação das externalidades e nas relações entre eles. Estes temas devem “conversar” usando uma unidade.  Temos que comparar temas diferentes mas com a mesma régua, o que pode ser muito complicado.  Uma solução para este problema é a utilização da conversão dos temas em atendimentos com variáveis lineares.

Como todos os temas estão ajustados sob mesma linearidade, é possível então comparar o nível de performance de cada um deles.  Desenvolver listas de checagem específicas com os níveis mínimos de performance para cada item verificado permitem efetuar graduações do nível de atingimento.

O próximo passo agora é sobre como colocar todos os temas sobre um único “velocímetro” que você possa ler continuamente e usar os outros “relógios” como auxiliares de pilotagem.

Para esta atividade de correlação é necessário uma análise profunda de conexões e complexidade.  A construção de redes de relação, a determinação das variáveis de network entre os temas geram insights potentes e que servem como uma base para a construção de um índice de sustentabilidade realmente abrangente.

Este tipo de modelagem permite com que uma pequena variação em um tema de alta significância seja prontamente identificado no índice de sustentabilidade construído. Ferramentas como a AHP (programação multicritério) podem ser aplicadas para refinar os pesos de cada tema e conexões.

Muitas são as formas de dar a resposta de indicadores de sustentabilidade. Da mesma forma que existem “velocímetros” que medem em km/h, milhas/hora…  podemos ter diferentes escalas de medição.  Porém, qualquer escala deve ter como base uma referência pela qual abaixo desta estamos “em débito” e acima desta estamos “em crédito” para um nível mínimo de sustentabilidade para cada tema analisado. 

Planos de sustentabilidade devem sempre levar a condição de reduzir os “débitos” e aumentar os “créditos” do sistema, mas sempre verificando as correlações entre os temas, já que os sistemas são complexos.  Essa lógica de controle permite ações muito mais focadas, trabalhando primeiro nos pontos que efetivamente estão mais distanciados de um ponto de equilíbrio e que por interações promovem um maior desequilíbrio do sistema como um todo.

Basicamente o que buscamos fazer é trazer o conceito de gestão sobre sistemas complexos e dinâmicos para medir performance de forma estruturada e sistêmica, não como um apanhado de estratégias aritméticas e aplicação de ponderações, mas como uma rede de interações.

Negócios que modelam suas relações de sustentabilidade com este tipo de ferramenta criam duas habilidades essenciais.  A primeira é a capacidade de entendimento de seu papel e dos seus impactos, de responder rapidamente e corretamente sobre os desvios e a segunda é a de construir um “velocímetro” único que pode ser utilizado por todos no empreendimento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *